Já foram muitas as vezes em que a vida proporcionou encontros com aquela mulher. Nos lugares mais variados e em situações inusitadas até. Participamos de grupos em comum e comungamos da mesma profissão. Mas em todas os encontros, absolutamente todos ela toca no mesmo assunto.
Fazem 22 anos que se aposentou, isso confessou num fim de tarde desta semana. Veio buscar alguns cadernos para utilizar para registros no clube que coordena. Caderninhos brochura, que sinceramente parecem ter sido pretexto para um dedo de prosa. E com voz embargada ela trouxe atona o assunto que lhe acompanha por uma vida todinha. Contou que no ano da aposentadoria imaginou que deveria ter adotado de fato uma criança, ou duas, já teria dois mocinhos hoje. Contou novamente sobre a morte de seu único filho com quatro meses de idade, era doente, chorou ininterruptamente no seu tempo de vida e ficou no hospital quase todos os seus dias.
Foi além... e disse que quatro foram as crianças que apareceram para adoção ao longo da vida e também relatou os motivos pelos quais nenhum processo foi bem sucedido, apesar de serem muito menos complexos na época. Em momentos o marido não aceitava, em outros tinha medo de que a criança depois de grande quisesse voltar para a família, afinal o sangue fala mais alto segundo ela. E infelizmente nenhuma das histórias teve final feliz. Contou de duas primas que com desenrolares opostos foram feliz e triste com a adoção, o que também lhe causou "pensão".
Neste dia em especial devia estar muito mais reflexiva e tentando descobrir porque uma professora primária que dedicou a vida a educação e as crianças não teve a graça de ter um filho sequer. Imagina que DEUS não quis, que sua missão fosse outra, afinal vai no Clube de mães, na pastoral da saúde, milita ajudando pessoas sempre.
E eu estive ali, apenas como ouvinte, não foi necessário interlocução, minhas perguntas eram desnecessárias, ela apenas precisava ser ouvida. Quer entender a história de uma vida.
Agradeceu os cadernos, fez uma referência carinhosa a minha bondade e se foi.
Fiquei alguns minutos atônita, me impressionou sua resiliência, como alguém passa uma vida inteira sofrendo sem entender sua sina.
Seria sina?
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